———————————————————
LEGEND = ICON
IN CONVERSATION WITH:
JORGE CAMPOS
"...As for the rest I have upcoming pieces on Vertov, Eisenstein, Leni Riefenstahl e Joris Ivens. And another edition of Ciclo de Fotografia e Cinema Documental Imagens do Real Imaginado (IRI). It will be it’s 11th."
———————————————————
Photography by: CINDA MIRANDA (www.cindamiranda.com) Vienna
Guests: JORGE CAMPOS - Porto * Interview by: LUIZ CARVALHO - Lisbon *
Translation by: RITA BARROS - New York
When, where, were you born and where do you live?
I was born in Oporto. I’m 66 years old.
When I was four I went to Mozambique. I returned to Oporto forty years ago. I
like the city but here and there I have to leave. I need to breathe.
In which
way did your childhood influence what you enjoy doing the most?
I got used to large spaces and beaches
with no end in sight. Also wanting to know about people and their differences.
I went to elementary school in places with exotic names like Mambone, Zavala and
later Nampula. My father was a doctor. He moved the family from place to place.
All this had consequences: the obsession of the registration; the will to know;
the need to imagine.
When did you decide to follow your vocation?
I still don’t know exactly which is my
vocation. I started college in Johannesburg at the time of the counter-culture
and the anti-colonial fight. I attended extremely boring classes on economy and
business administration when what I really liked were girls, politics, jazz and
movies. Besides Elvis, of course. Then I was placed in the colonial war in a
place called Furancungo in the district of Tete. At the same time I lived the
tragedy of the death of my parents. When I returned to Oporto, in late 1973, I had
the opportunity of becoming a journalist - something that I believed in – and
there was the need to fight the existing censorship. I didn’t decide anything.
It just happened.
Is your success more based on your work or on
intuition?
What is success? The recognition of one’s work? To be famous? To be more or less wanted? If that is what it is, then I had moments when that happened. Almost 30 years ago I was invited to teach at graduate level. I have a PhD in Communication Science, I was part of conferences, the Academy and the TV gave me awards. My name was printed on the newspapers. But I did it all in a playful way with many side turns. Is it a flaw? Character for certain. Was it hard? Yes. Sometimes things work out others not so much. Like in everything else.
Who influenced you on your
vocation?
It depends. As a journalist: Edward R. Murrow, Walter Cronkite, and Dan Rather. They are three icons of American TV who anchored one after the other the CBS Evening News. They had a common denominator: when they left they acknowledged that they had through the years misled the public. For professional, academic and citizenship reasons, I thought a lot about the media system and I came to the simple conclusion that journalism is a metaphorical activity. But I like the opinion pieces and reporting. As far as filmmakers, I don’t know anybody with the creative energy of Eisenstein although my list of favourites is quite big with a special place for documentaries. As a teacher I try to raise the curiosity of my students as well as satisfy my own. The relationship with the students it’s a vital experience. I was a teacher for the first time in Lourenço Marques when I was 21. Whatever the context I will teach until the end of my days. For now I am happy at Institulo Politecnico do Porto.
How do you define your work?
I don’t define. I spend my time
inventing things. The only thing I know is that I need to put things in
perspective. Otherwise I cannot interpret the world.
What did you bring new to your area of expertise?
Frankly it’s not up to me to answer. The
only thing I am sure is that I try to act as a citizen. As such, for me the
know-how is as important as the knowledge to inform.
Is Portugal a good place for your work?
Portugal suffers from melancholy. The
ruling elite sees everything as a commodity and business opportunity. It
nullified the idea of community and public service. Television, on the whole,
functions as a systemic advertising device. While the talking heads are
politicians and the journalists are the go-between. While the public school is
dismantled, the teachers are mistreated. While the cultural policies give way
to mere entertainment, cinema either shrinks or goes the easy way. For all
these reasons to talk about conditions of work it doesn’t make sense.
Incidentally, Europe, in general, also suffers from melancholy, a sickness that
results from the resignation and the collapse of thought. What makes sense is
to build trenches.
How do you look at the future
in professional terms?
Exactly, occupying trenches. With ideas,
thoughts and memory. Without memory the present is scattered and the future
unfeasible.
How do you integrate your
private and business life?
They are naturally connected. I favour
the principle of pleasure. As the saying goes: Who runs for pleasure never
tires. Or, it’s all the same fight.
Right now I am working on two new documentaries. One
is a family story with my uncle Carlos Costa, who is 85, as the central
character. My uncle was a communist militant since the age of 15, he was jailed
in all the prisons of the country and before democracy when he was not in
prison he was underground. But this film is not an eulogy. Neither he nor I
have the temper for it. Obviously we talk about politics but we also talk about
people’s character, ethics and memory, achievements and disappointments, History
and affections. The other documentary is about a good friend, a great writer
who I admire enormously, Mario Claudio. It’s not a monograph but a journey in
search of a man whose background is inseparable from the search for himself. At
the center of this search is, of course, literature. As for the rest I have
upcoming pieces on Vertov, Eisenstein, Leni Riefenstahl e Joris Ivens. And
another edition of Ciclo de Fotografia e Cinema Documental Imagens do Real
Imaginado (IRI). It will be it’s 11th.
————————————————————
Nasci no Porto. Tenho 66 anos. Aos quatro fui para Moçambique. Regressei ao Porto há quarenta anos. Gosto da cidade, mas volta e meia tenho de sair. Preciso de respirar.
A infância influencia de que
forma o que hoje mais gosta de fazer?
Quando decidiu seguir em
frente para esta sua vocação?
Continuo sem saber exactamente qual a minha vocação.
Entrei para a universidade em Joanesburgo em tempos de contra-cultura e de luta
anti-colonial. Andei em cursos chatíssimos de Economia e de Administração de
Empresas quando do que eu gostava era de miúdas, política, jazz e cinema. Além
do Elvis, claro. Depois fiz a guerra colonial num lugar chamado Furancungo, no
distrito de Tete. Em simultâneo vivi a tragédia da perda dos meus pais. Quando
regressei ao Porto, em finais de 1973, surgiu a possibilidade de fazer
jornalismo, algo em que, na altura, até porque havia censura e era preciso
lutar contra ela, eu acreditava. Mas, não decidi nada. Aconteceu.
O seu sucesso é mais assente no trabalho ou na
intuição?
O que é o sucesso? O trabalho reconhecido? Ganhar
notoriedade? Ser mais ou menos requisitado? Se é, houve alturas em que tudo
isso se cruzou comigo. Há quase 30 anos fui convidado para leccionar no ensino
superior, fiz um doutoramento em Ciências da Comunicação, participei em
conferências, ganhei prémios na Academia e na televisão, o meu nome apareceu
nos jornais. Mas fiz tudo de uma forma lúdica, digamos assim, e com muitas
derivas. Será defeito? Feitio é, certamente. Deu trabalho? Sim. Umas vezes as
coisas correram bem, outras nem tanto. Como em tudo.
Quem o influenciou na sua vocação?
Depende. Enquanto jornalista, Edward R. Murrow, Walter
Kronkite e Dan Rather. São três ícones da televisão americana, que se sucederam
no jornal da noite da CBS, com um denominador comum: na hora de sair, no
essencial, todos disseram que tinham andado anos a fio a enganar as pessoas.
Por razões profissionais, académicas e de cidadania fartei-me de andar às
voltas com o sistema mediático e cheguei a uma conclusão simples: o jornalismo
é uma actividade metafórica. Mas eu gosto da crónica e da reportagem. Enquanto
cineasta não conheço ninguém com energia criadora comparável à de Eisenstein,
se bem que a minha lista de favoritos seja extensíssima, com lugar de destaque
para o cinema documental. Como professor limito-me a tentar suscitar
curiosidade e a procurar satisfazer a minha própria curiosidade. A relação com
os alunos é uma experiência vital. Fui professor pela primeira vez com 21 anos,
em Lourenço Marques. Podendo, seja qual for o contexto, darei aulas até ao fim
da vida. Por agora, sinto-me bem no Instituto Politécnico do Porto.
Não defino. Passo o tempo a inventar coisas. De
ciência certa sei apenas que tenho necessidade de pôr tudo em relação. De outro
modo, não consigo interpretar o mundo.
Que contributos novos deu para o que faz na sua área?
Francamente, não me cabe responder. Apenas posso assegurar que procuro agir como cidadão. Nessa medida, para mim, o saber fazer é tão indispensável quanto o fazer saber.
Portugal é bom terreno para o seu trabalho?
Portugal sofre de melancolia. A elite dominante vê tudo como mercadoria e oportunidade de negócios. Fez caducar a ideia de comunidade, de serviço público. A televisão, no seu conjunto, funciona como dispositivo de propaganda sistémica. Enquanto os comentadores são politicos no activo, os jornalistas fazem o papel do go-between. Enquanto a escola pública é desmantelada, os professores são maltratados. Enquanto as políticas para a cultura cedem lugar ao mero entretenimento, o cinema ou definha ou envereda pelo fácil. Por isso, falar em condições de trabalho neste contexto não faz sentido. Aliás, a Europa, de um modo geral, também sofre de melancolia, uma doença que resulta da resignação e do colapso do pensamento. Faz sentido é construir trincheiras.
Portugal sofre de melancolia. A elite dominante vê tudo como mercadoria e oportunidade de negócios. Fez caducar a ideia de comunidade, de serviço público. A televisão, no seu conjunto, funciona como dispositivo de propaganda sistémica. Enquanto os comentadores são politicos no activo, os jornalistas fazem o papel do go-between. Enquanto a escola pública é desmantelada, os professores são maltratados. Enquanto as políticas para a cultura cedem lugar ao mero entretenimento, o cinema ou definha ou envereda pelo fácil. Por isso, falar em condições de trabalho neste contexto não faz sentido. Aliás, a Europa, de um modo geral, também sofre de melancolia, uma doença que resulta da resignação e do colapso do pensamento. Faz sentido é construir trincheiras.
Como olha para o futuro em termos profissionais?
Justamente, ocupando trincheiras. Com ideias,
pensamento e memória. Sem memória o presente é difuso e o futuro inviável.
Como converge vida privada e vida profissional?
Estão naturalmente ligadas. Favoreço o princípio do
prazer. Como dizia o outro, quem corre por gosto não cansa. E outro ainda: é
tudo a mesma luta.
Neste momento trabalho em dois novos documentários. Um
é uma crónica de família que tem como protagonista o meu tio Carlos Costa,
agora com 85 anos. O meu tio é militante comunista desde os 15 anos, conheceu
todas as prisões do país e, antes da democracia, quando não estava na cadeia
estava na clandestinidade. Mas este filme não é um panegírico. Nem ele nem eu
temos feitio para isso. Fala-se de política, como é evidente, mas também do carácter
das pessoas, de ética e memória, de conquistas e desilusões, de História e
afectos. O outro documentário é sobre um bom amigo, um grande escritor que
muito admiro, Mário Cláudio. Não é uma monografia mas uma viagem à procura de
um homem cujo percurso é indissociável da busca de si mesmo. No centro desse
percurso está, naturalmente, a literatura. Quanto ao mais, estão para sair
textos sobre Vertov, Eisenstein, Leni Riefenstahl e Joris Ivens. E mais uma edição
do Ciclo de Fotografia e Cinema Documental Imagens do Real Imaginado (IRI). É a
11ª primeira.